Laura Stanzani Lapa
Há quem diga que os olhos são o espelho
da alma. Poder-se-á também dizer que são a parte visível do nosso cérebro ou
que exprimem o que nos vai no íntimo: amor ,ternura, desejo, tristeza, cansaço,
alegria, inveja, rancor, sonho, esperança, traição...Com eles “comemos” um
prato bem apresentado ou simplesmente um fruto colorido, que olhamos com olhos
gulosos. Diz-se muitas vezes” os olhos também comem”.
Quem nunca ouviu falar do “mau olhado”? Há mesmo quem acredite e até
“sabe” qual foi o fulano ou fulana que pôs “olho ruim” nas suas flores, quando
elas começam a dar sinais de pouca saúde, por exemplo. E de manhã? “Hoje o dia
não me vai correr nada bem,estava uma pessoa no autocarro -bem sei quem ela é- e
olhou-me muito tempo com aqueles olhos...Nem gosto que ela me veja.”
Que seja tudo por bem. Que um olhar
mendigo a implorar misericórdia encontre outro que o acuda e lhe conceda a
graça desejada ou, quando não, um outro olhar, de simpatia, de compreensão, de
solidariedade. Como é que me foi possível não citar o olhar mendigo daquele que
pede sem palavras e que nunca mais se pode esquecer? Os olhos daqueles que
olham quem come . Todos os gestos são seguidos sem nenhuma falha_ “pegou agora
o pedaço melhor, há os que comem o melhor pedaço primeiro. Esses são os fartos,
podem deixar o menos bom para o fim e depois nem o comer porque já não têm
fome. Se fosse eu comeria o melhor no fim, só para ficar com aquele gostinho,
aquela sensação de alguma coisa a escorrer pela garganta abaixo”.
E
a comida dos cães que se fazia outrora, no tempo em que os cães eram tratados
como cachorros e cozinhavam-lhes arroz de terceira categoria ou massa, quando
esta era mais barata, com os ossos e demais
restos que as freguesas pediam no talho?
São pitéus negados aos pobres, os esquecidos, os sem nome, os que
ninguém sabe que existem, que são a fome em forma de gente e que escondem a sua
miséria. Aqueles em cuja goela pode
acontecer que uma aranha faça lá a sua teia,não sei para quê, pobre aranha sem
juízo...
Ora aconteceu-me de ouvir um jovem
sacerdote a fazer a sua homilia muito pertinho dos fiéis. Ele era o mestre, o que faz perguntas a
este, àquele. O mais importante são as perguntas e ele perguntava. E também ele
contava histórias. Narrou então um acontecimento vivido nos Açores e que dá que
pensar.
É conhecida de quase todos a festa de
Santo Cristo dos Milagres, em São
Miguel, que recebe milhares de devotos ou curiosos de várias partes do mundo,
pois é digna de se ver. Na procissão ia uma mãe com o seu filho ao colo, já crescidinho, mas cego. O menino
pedia insistentemente que a mãe o tivesse voltado para o Santo Cristo, que o
levantasse mais para ver. A mãe fazia o possível, mas já estava muito cansada.
_ Mas
filho, tu não o podes ver, és cego.
–
-Mãe, eu sei que não vejo, mas também sei que,
neste momento, ELE está a olhar para mim. Não sabemos se o menino passou a ver,
mas este, sim, acreditava na força do olhar e, naquele momento, ele já via com
o coração.Não dizia Saint-Éxupéry “A gente só vê bem com o coração, o essencial
o essencial é invisível para os olhos”?
–
Laura Stanzani Lapa
Bordalo,30 de maio de 2017