18 de mar. de 2018

A MACIEIRA


Um conto de Laura Stanzani Lapa

Aconteceu no meu jardim. 

Era uma vez uma macieira que vivia há muito tempo entre outras árvores. Sentia-se feliz porque dava todos os anos os seus saborosos frutos a quem os quisesse comer.. Quando chegava a Primavera, ela gostava de se enfeitar e cobria-se de belas flores branco- rosadas que faziam as delícias dos olhos de quem passava. E depois era esperar que nascessem os frutos, que crescessem e que se fizessem vermelhos, maduros, doces e perfumados.
Todos os anos era isso e ela já ia ficando velha, quando descobriu que era a rainha do jardim, ninguém se lhe igualava: o velho pessegueiro partira-se no ano passado, as laranjeiras, coitadas estavam velhas e caquéticas, precisando de limpeza, com as  cabeleiras cheias de galhos secos, piolhos,  uma lástima. As ameixieiras penduravam os seus ramos até quase reçarem o chão, as exibidas, as oferecidas. Coisa feia, sabiam lá elas se alguém queria comer ameixas? -dizia com ar de escárnio. Eu cá tenho a minha dignidade e se alguém quiser comer maçãs, que mas venha pedir com os braços no ar. Eu dou, mas devem pedir. Ou que apanhem do chão os meus refugos,eu não me importo, são velhas e bichosas, mas alguma coisa se aproveita.
Havia também bambus, mas não davam frutos nem se enchiam de flores perfumadas e ela achava-os inúteis, nem sabia se prestavam para alguma coisa. Dançavam ao sabor da brisa e mais nada.
Ela, sim, servia  e gostava de servir. Bem dizia a Gabiela Mistral que “A natureza é um anelo de servir, serve a nuvem, serve o vento, serve o sulco...” O que não lhe ficava bem era aquela mania de se achar a melhor e de menosprezar os seus companheiros de campo.
Ela não sabia que tudo tem a sua utilidade, até os mais repugnantes insetos, vermes, ervas daninhas, vento, calor frio e geada. Tudo. Se ela soubesse quanto paga um homem por um belo bambu para fazer parte da decoração da sua casa... Soubesse ela dos móveis que com eles se fazem, da infinidade de produtos, até taças para guardar as suas lindas maçãs...
Mas é mesmo assim. A velhice nem sempre traz tolerância, conhecimento e compreesão da vida. Temos que ter paciência com os velhos que estão sempre a falar mal de tudo e de todos. Devíamos ter aproveitado a vida para ganhar conhecimento do mundo que nos rodeia, que a vida é bonita com os seus altos e baixos, esplendores e misérias. Mas não, não aprendemos nada. Agora é tarde ou talvez não, que é bom ser-se otimista e não perder a esperança. Quando temos a sorte de viver muito tempo, é como se tivéssemos galgado uma alta montanha, quanto mais vivemos mais alto subimos. Depois olhamos para trás e podemos ver o panoram: crescimento, birras, invejas, injustiças, prémios, castigos, gozos, ganhos e perdas.Temos que olhar para a frente para ver o caminho e para trás para ver o já percorrido. Ser como Janus, o deus de duas caras, uma para frente outra para trás, o abre e fecha. Abrimos com o nascimento, fechamos com a morte.
Pois a macieira, que gostava tanto de ter os seus frutos lá em cima, para poder oferecer a quem lhos pedisse, naquele ano estava muito carregada. Soprava o vento que balançava os bambus. Estes curvavam-se até abaixo, tornavam a levantar-se, iam para o outro lado. E um belo galho carregadinho de maçãs partiu-se e veio ter ao chão, até parecia um galho de ameixieira. E os bambus curvavam-se...e cantavam aos quatro ventos.
Pois são asim os bambus: “ Quanto mais crescem mais baixo se curvam”.
E são assim os vaidosos: “Não sabem que se vira o feitiço contra o feiticeiro”. 

                                                                                                Laura Stanzani Lapa
                                 
                                                                                                      Bordalo, 29 de junho 2017

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