Um conto de Laura Stanzani Lapa
Aconteceu no meu jardim.
Era
uma vez uma macieira que vivia há muito tempo entre outras árvores. Sentia-se
feliz porque dava todos os anos os seus saborosos frutos a quem os quisesse
comer.. Quando chegava a Primavera, ela gostava de se enfeitar e cobria-se de
belas flores branco- rosadas que faziam as delícias dos olhos de quem passava.
E depois era esperar que nascessem os frutos, que crescessem e que se fizessem
vermelhos, maduros, doces e perfumados.
Todos
os anos era isso e ela já ia ficando velha, quando descobriu que era a rainha
do jardim, ninguém se lhe igualava: o velho pessegueiro partira-se no ano
passado, as laranjeiras, coitadas estavam velhas e caquéticas, precisando de limpeza,
com as cabeleiras cheias de galhos
secos, piolhos, uma lástima. As
ameixieiras penduravam os seus ramos até quase reçarem o chão, as exibidas, as
oferecidas. Coisa feia, sabiam lá elas se alguém queria comer ameixas? -dizia
com ar de escárnio. Eu cá tenho a minha dignidade e se alguém quiser comer
maçãs, que mas venha pedir com os braços no ar. Eu dou, mas devem pedir. Ou que
apanhem do chão os meus refugos,eu não me importo, são velhas e bichosas, mas
alguma coisa se aproveita.
Havia
também bambus, mas não davam frutos nem se enchiam de flores perfumadas e ela
achava-os inúteis, nem sabia se prestavam para alguma coisa. Dançavam ao sabor
da brisa e mais nada.
Ela,
sim, servia e gostava de servir. Bem
dizia a Gabiela Mistral que “A natureza é um anelo de servir, serve a nuvem,
serve o vento, serve o sulco...” O que não lhe ficava bem era aquela mania de
se achar a melhor e de menosprezar os seus companheiros de campo.
Ela
não sabia que tudo tem a sua utilidade, até os mais repugnantes insetos,
vermes, ervas daninhas, vento, calor frio e geada. Tudo. Se ela soubesse quanto
paga um homem por um belo bambu para fazer parte da decoração da sua casa...
Soubesse ela dos móveis que com eles se fazem, da infinidade de produtos, até
taças para guardar as suas lindas maçãs...
Mas
é mesmo assim. A velhice nem sempre traz tolerância, conhecimento e compreesão
da vida. Temos que ter paciência com os velhos que estão sempre a falar mal de
tudo e de todos. Devíamos ter aproveitado a vida para ganhar conhecimento do
mundo que nos rodeia, que a vida é bonita com os seus altos e baixos,
esplendores e misérias. Mas não, não aprendemos nada. Agora é tarde ou talvez
não, que é bom ser-se otimista e não perder a esperança. Quando temos a sorte
de viver muito tempo, é como se tivéssemos galgado uma alta montanha, quanto
mais vivemos mais alto subimos. Depois olhamos para trás e podemos ver o
panoram: crescimento, birras, invejas, injustiças, prémios, castigos, gozos,
ganhos e perdas.Temos que olhar para a frente para ver o caminho e para trás
para ver o já percorrido. Ser como Janus, o deus de duas caras, uma para frente
outra para trás, o abre e fecha. Abrimos com o nascimento, fechamos com a
morte.
Pois
a macieira, que gostava tanto de ter os seus frutos lá em cima, para poder
oferecer a quem lhos pedisse, naquele ano estava muito carregada. Soprava o
vento que balançava os bambus. Estes curvavam-se até abaixo, tornavam a
levantar-se, iam para o outro lado. E um belo galho carregadinho de maçãs
partiu-se e veio ter ao chão, até parecia um galho de ameixieira. E os bambus
curvavam-se...e cantavam aos quatro ventos.
Pois
são asim os bambus: “ Quanto mais
crescem mais baixo se curvam”.
E são assim os vaidosos: “Não sabem que se vira o
feitiço contra o feiticeiro”.
Laura Stanzani Lapa
Laura Stanzani Lapa
Bordalo, 29 de junho 2017
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