27 de ago. de 2014

O quarto do meio.

Esse foi um dia silencioso e cinza. O frio tomou conta de mentes e corações antes inquietos, agora contemplativos. É um instante que cora a face dos que, ainda sendo humanos, mostram sua nudez identificando-se no que faz todos iguais. A passagem do cortejo ao som das sirenes entre aplausos e lágrimas revelou uma emoção contida. Entre pensamentos soltos veio a imagem daquele corredor de tábuas escuras. Parei entre os portais que seguravam a porta clara que continha minhas imagens de infância. Três quartos! O do meio era o das fantasias.
Na parede à esquerda, que se juntava ao portal, havia a estante de portas de vidro, era a mais alta, com lindas coleções de livros. Moravam ali os grandes pensadores ocidentais. Encarcerados eles me olhavam através do vidro, eu, os cobiçava. Ousei vez por outra, em silêncio, abrir muito devagar uma das portas de correr, para não chamar atenção, tomava algum à mão, manuseava ali mesmo, de pé. Aleatórias leituras rápidas me traziam curiosidade. Escritas de Deus, da morte, da vida, da política e da arte, uma interrogação silenciosa que ficou sem perguntas e sem respostas.
Na parede imediata, que formava o ângulo reto, encostava-se a estante permitida, nesta, os livros que me levavam às viagens até as quatro horas da tarde, quando éramos chamados para o lanche e o banho. Tomada de imagens me vi deitada com a barriga para baixo, naquela cama que ficava colada à estante, joelhos dobrados, pernas cruzadas ao alto, livro nas mãos.
Da janela gradeada que ocupava uma parede inteira do quarto posso ver aquele quintal. Vejo-o nos dias de chuva e em dias de sol Nós de tão pequenos parecia que tínhamos um quintal gigante. Nossa caramboleira virava uma casa que nosso vô construía, fazendo das folhas de bananeiras as paredes que dividiria os cômodos. Ali era a nossa casa da arvore, no chão de terra com uma só coluna, paredes de folhas de bananeiras, amarradas umas às outras pelos barbantes, que antes amarravam os embrulhos de pão, telhado de folhas de carambola, móveis de pedras ou algumas tábuas velhas que meu vô arrumava. Ele certamente construía a casa de seus sonhos também. Nunca ouvi dizer que alguém teve uma casa de arvore assim, no chão, enorme! Após o almoço, quando chegávamos da escola, era de lei ir para a casa de nossa vó. Uma fila para tomar na mesma colher a gema de ovo de gansa com mel. Eca! Depois suspiro das claras. Oba!
Volto os olhos para o lugar de dentro me encontro defronte a penteadeira da parede à direita da porta, de um lado o Cristo de cerâmica azul clara que com seus olhos nos seguia em qualquer direção. Ele nos vigiava! Nada às escondidas, Ele nos via todo tempo! Era engraçado vira-lo de costas para que Ele não pudesse acompanhar meus passos. Do outro lado, cremes para pele e alguns bichinhos de vidro que me faziam sonhar. Dia destes é que descobri como se faz os bichinhos de vidro. Um vídeo na internet mostrava o artesão fabricando. Muito difícil e bonito o trabalho para fazer aqueles cavalinhos de vidro que tanto iluminaram meus olhos.
Com o tempo os livros que ocuparam meus dias tomaram outros rumos. As pessoas também. Carrego comigo tantas outras humanidades, partes que se somaram às minhas, recortes colados para sempre dentro ou pendurados feito móbiles dançando no ar. Levaram também tantas partes seguidas. Até hoje a gigante borboleta preta traz notícias ruins e dois homens vestidos de branco atravessam a calçada que levava à varanda da sala, e o som triste do choro de minha avó ecoa pela casa.
São suaves e ternas as lembranças daquela casa.
Minha bruxa de pano! Onde foi morar?
Um beija flor desmaiado ao bater na vidraça, salvo pela água que minha avó pingava em seu frágil corpo; embalar o morcego, que foi derrubado da árvore, com canções de ninar; as pontas das grades, que após nocautear muitos de nós abrindo brechas na testa, foram vestidas de retalhos para não mais ferir; as panelinhas minúsculas que desapareciam e reapareciam misturadas na terra renovando a alegria; as roseiras que davam tanto trabalho para não serem devoradas pelas formigas; ajudar meu avô varrer o quintal e queimar folhas secas; catar borboletas de todas as cores; esperar ansiosa pela chegada do tio que fazia mágicas incríveis com as lentes voltadas para o sol, e depois, revelar madrugada a fora, com ele, os filmes fotográficos ao som do aparelho que tocava discos antigos e muito grossos com musicas de orquestras barrocas. Não sei se os outros gostavam tanto quanto eu das músicas de meu tio. Era mágico ver as imagens aparecerem no papel fotográfico. À tardinha era hora da estação da rádio perereca invadir os rádios vizinhos. Oh coisa boa. Meu tio era biruta!!
Então foi assim que ao som das sirenes, mirei tudo pela tela que me transportou à inexistente janela do quarto do meio, o quarto da minha tia, que me ensinou ver as horas de pé, olhando para o relógio que badalava as horas, beliscando meus braços a cada erro, me mostrou como caminhar com os ombros para cima atravessando o cabo da vassoura entre minhas costas e braços, depois ainda, me alertou que para andar com equilíbrio deveria balançar os braços e me instruiu a amar seus livros quando a saudade por ela apertou. Recordo sua roupa de veludo que minha avó costurou para que ela não sentisse frio na viagem que a levaria à França.
Pequenos momentos de nós todos, criançada que de mãos dadas percorreram beira do asfalto a caminho da casa da avó, num filme feito da janela do quarto do meio. O quarto da minha tia.


13 de ago. de 2014

21 de jul. de 2014

Do mundo de lá

Pode ser pura bobagem, mas das notícias eu questiono: 
Como é deixar que decidam por nós? Como é delegar a alguns que tomem por nós as decisões que nos destruirá? 
Não sabemos e não saberemos a outra face nunca. 
Cada um mostra suas motivações. 
Vence ao final quem convence mais, seja pela destruição, seja pelo poder de impor seu pensamento ao conjunto todo.
A maioria de nós não sabe como será acordar ou dormir com o chamado aos nossos irmãos, pais, sobrinhos e amigos para enfrentar canhões e bombas em frente de batalhas. Não sabemos o que é ver ou ouvir as bombas caindo, a correria, os gritos e choro que seguem.
Como suportar essa selvageria se fomos criados para sorrir, trabalhar, e pensar na paz do mundo? Vivemos no país da alegria? 
Não dá para sorrir com sinceridade vendo o que se passa no mundo.
A falta de razão prevalece. 
Esperar algo que os faça voltar à razão, seguir em frente. 
O que faz alguém ser afetado por radicalismos extremos se os debates mostram que a construção da guerra faz parte de um plano de várias forças aliadas, não importa o que pensa a população mundial dos que não mandam, dos que não tem poder de fogo, dos que apenas podem fugir. 
Haja esperança para todos nós seguirmos em frente.

25 de fev. de 2014

Dominar-se

O que faz faltar o ar.
Alegria repentina, emoção, encanto.
Saudade, ah! Esta saudade.
Voz mansa dizendo que o café ta pronto.
Gente miúda subindo correndo pra o café não perder.
Pão quente ainda na régua do forno de lenha
De quando a ingenuidade era permitida e arrancava sorrisos dos espertos adultos
De quando o que te empurrava pra fora do jogo era pisar na linha da amarelinha, pisar na corda, não conseguir um lugar no pique alto ou um lugar seguro no pique esconde.
Chegar ao céu era fácil, bastava pular numa só perna de quadrado em quadrado, saltando a pedra que era jogada.
Hoje saltar sobre as pedras não é tão fácil, elas estão em todo o caminho. 
As cordas excluem e esconder é só para ser fugaz.
E o que faz faltar o ar...
A fumaça nos olhos
A saliva que engrossa
A palavra que não se diz
O eco silenciado
Na falta de respostas às perguntas de dentro
Faz faltar o ar
Não poder se explicar
Não entender o que se explica
Dominar-se.

14 de out. de 2013

Dentro

Não há lugar seguro àqueles que guerreiam a vida.
Alheia.
Mata-se muito!
Os muitas vezes mortos ressuscitam nas noites.
Apreciam o silencio, ascendem.
Transcendem a um lugar chamado dentro.


11 de set. de 2013

PARA AÇÃO ILEGAL - REAÇÃO LEGAL

Quem aspira à tutela jurisdicional visando ao dano moral nos crimes contra a honra não deve ambicionar exclusivamente a uma indenização pecuniária, pois nenhuma valoração financeira extingue o malefício causado, e ficará valendo o dito popular: “não se juntará as plumas lançadas ao vento”.

8 de set. de 2013

MONTE de gente ALEGRE

     Alegre de leveza no passo e fala mansa no ar. 
    Nos lábios sorriso farto, gargalhada tímida,
    ombros largos que cabem um mundo.
    Peito aberto, corpo fechado.

    Nos olhos o céu límpido da consciência sem dor,
    nos braços a força dos troncos, 
    nas mãos ágeis a brandura,
    nos pés a segurança da terra.

    Um altar que é pra todo mundo de paz.
    É lá que a mesma mão traz a vida e a devolve à terra.
    A cara da traquinagem escondida 
    sinaliza crianças brincando.

    É perfume de paz.
    Lacuna entre querer e não poder, 
    mas ainda assim fazer.
    De tantas Marias que fazem,
    esse Monte vai fazendo.

    Árvores Marias cheias de graça, senhoras de si.
    Bendita floresta do ventre livre, 
    rogai por todo delírio de quem te devastou 
    E sem piedade te plantou em outra terra.

    São frondosas Árvores Marias
    Que vão colorindo as danças, 
    tambores, flores, fogueiras 
    e todo o Monte Alegre de gente.
                                   LStz



 


 
 
 
   
 
 
 
 
   

3 de set. de 2013

"Museu da Saudade"

           A vida é um recomeçar a cada momento.
Edgar Morin


                                 
                      Foto LSTZ - no "Museu da Saudade" - João Bosco Côgo - Guaçui - ES

28 de fev. de 2013

Serenidade

Para encontrar um caminho não basta olhar de frente.Ao lado e para trás, insistentemente.Ir e voltar diversas vezes.Muitos caminhos percorridos e seus pés deixaram marcas.Observá-las.Dizer um "não" para uma oportunidade pode ser o inicio de um futuro "sim" para o crescimento.Quanta beleza tem dentro do dia, somam-se todos, cada um traz sua própria exuberância.LStz

28 de jan. de 2013

O Vigia



O homem com as duas mãos agarradas ao portão de grades azuis, as minhas agarradas ao volante. 
No vidro os pingos fortes da chuvarada que cai. 
Um dia cinza refrigerando a alma nesta terra tão quente. Notícias amargas de um domingo reflexivo.
A imagem do homem está lá.  
Passará seu domingo ali, sozinho, com seus pensamentos. 
Um carro para, o homem se levanta, o carro vai, nenhum movimento em sua direção. 
Retorna a seu posto. 
Senta-se olhando o nada.
 Levanta-se ao surgir novo carro, espreita, espera, o carro vai, volta o homem a se sentar, as mãos agarram a grade azul como num abraço inanimado.
Outro carro. Os movimentos se repetem.
Continuo a poucos metros, parada, indecisa. 
Esqueço o rumo que decidira tomar.
Observo o movimento lento a cada carro que entra no recuo para fazer retorno à cidade.
Quem sabe alguém parasse a se informar, quiçá alguém necessitando ajuda? Isso aliviaria a tensão daqueles braços agarrados à grade...
A visão da chuva caindo, o homem sempre pronto a atender, ninguém para. 
Outros carros em movimento, tudo me faz retornar, passo devagar pelo homem que se levanta, agarra-se à grade, sempre a olhar. 
Expectativas de romper o silêncio. 
Sigo. 
O vejo e me vejo através do espelho. Ele mira. Silenciosos.
A velocidade aumenta, admiro a chuva que agora é mansa.
Faço meu caminho de volta com o pensamento na expectativa solitária do vigia.
Ao retornar para os seus vai encontrar seu espaço, seu lugar, sua forma de viver, continuará silencioso acostumado àquele silêncio interior.

18 de nov. de 2012

Reflexos do dia

dia a dia...
O que me encanta nos poetas
nas cores e imagens de sonhar
o som do instrumento e a voz que faz emocionar. 
O que causa espanto.
Pensamentos! 
Imagem do mundo singular refletido por uma janela que se abre com o raiar do dia.
 e a noite... 
 é o espelho.

11 de nov. de 2012

Um clarão na fresta da porta



Flores, flores, e mais flores
Flores, raízes e folhas
Troncos, frondosos troncos
Galhos
Flores caindo ao chão
Pétalas cingidas de folhas secas
Pó, pedra, terra e suor
Inanimados
Contempladores dos descalços pés
sobre as amarelas folhas
Espinhos
Som de paz e de guerra
No estalar das vencidas folhas secas
No silencio das pulverizadas pétalas
O rastejar dos pés
Lampejo
que se espreita pela fresta da cerrada porta
É o tempo  que foi raiz, tronco, galho, folha, flor, pétala
Espinho cravado ao suor
do pé fincado na terra
pisando pedra, pó, folha, flor
Era para ser somente uma mística visão do sol se pondo

25 de out. de 2012

Aprendendo com o gaivota

Não mais me preocuparei se a decisão é correta.
Esta não existe.


30 de ago. de 2012

Centenário do Professor Dr. Deusdedit Baptista

                                                              
Num pequeno e singelo texto Laura Stanzani, lá de Portugal, curtiu o centenário do Professor Deusdedit Baptista. Recordou com as fotos de seu casamento civil no Brasil, que fora possibilitado pelo auxílio de Professor Dr., que assinava como procurador daquele que do outro lado do mar também se casava com ela por procuração.

"Meu querido professor que Deus deu - Deusdedit!
E Deus deu-te bondade, sabedoria, alegria, generosidade, dedicação e solidariedade para repartires com aqueles que tiveram a sorte de viver no teu tempo e no teu meio.
Eras um rosto da cidade. Um rosto aberto e sorridente. Sorrias todo, até às orelhas, com todos os dentes. Que lindo!
Agora lá estás com a nossa querida Théia. Esperem por nós, que vamos lá ter. Por enquanto ainda temos que ir lutando para sermos bons, generosos, dedicados, solidários e alegres.
Viva a alegria!
Um "bem-haja" a todos  os que tiveram  esta feliz iniciativa"
                                                                 Laura Stanzani Lapa

17 de jul. de 2012

Circulos


Ricardo Stanzani Toledo - 15.07.2012


Onde nasce a vontade criativa?
 da paz
da incerteza
da dor, da alegria
dos circulos viciosos
ou do nada
que só você sente.
LStz

7 de jul. de 2012

Sincronismo óptico

Sou pelo politicamente incorreto
Aquele que não vê explicação em verdade fabricada
Cuja visão despretensiosa consegue ver beleza até no que incomoda.

Sou também pelo politicamente correto
quando assim o for, de uma verdade pura, interna, intensa,
sem ser esponja de lugares comuns, pensamentos comuns.

O que é complexo é meu ímã.
Comportamentos que só se adequam a conceitos antigos
são apenas maquiagem de excremento.

Gosto dos loucos e dos santos, sim!
Mas não escolho meus amigos somente pelo brilho questionador.

É por algo maior!


É pela transmutação eclética do sincronismo óptico

que explode em invisíveis partículas os pensamentos mais secretos.
LStz



3 de jul. de 2012

Lucidez

Marcada por um lampejo de fogo.
Travestida de lucidez, a taça.
Inteira, brilhante, delicadeza sutil.

Som bizarro penetrando almas
Bendita luz cruzando o ar
Decepando.
Metade, visão opaca, revirando os monstros

Maldita taça!
Bebeu o sol!
Engoliu a tarde!

Enegreceu o mundo!
Zombou de todos!
Serviu cicuta!

A taça louca
Na pretensão de ser Príapo
saudou seu Baco
partiu-se ao meio
saboreou seu vinho, seu corte.

LStz 02.06.2012




26 de jun. de 2012

Relógio


              
Espantalho
Relógio parado
Olhando
Não conta minutos
Não tem pressa de nada
Fica
Ponteiro de pouso
Para o que voa, flutua e grita  pensamentos

25 de jun. de 2012

...Roda

A surpresa atingiu a bomba d'água.
Vermelho o chão.
Eis que surge a roda que um dia fez pulsar a água clara que circulava límpida.
Num leito verde devassado por paredes que não mais se vê.Caída a roda.
Restou ao complexo cinza se colorir com imagens mentais.
Plainava sobre a Roda Morta do mais maldito dos malditos e os ancestrais que ali passaram.
O triste em tudo isso é tudo isso.